De começo, foi compulsório. Em meio a fraldas, choros, banhos, choros, peito, expectativas, medos, desconhecido. Não tinha como ser diferente, a anulação me foi exigida.
Fui levando assim, tão anulada que tenho até dificuldade de
recordar muito do que vivi nesse período. De uns 3 meses, me faltam lembranças.
Aí vem a fase da curtição. Bebê fofinho, aprender, estar
presente, se fazer mãe, conhecer aquele outro que chega - de tão longe que em
nada se parece com algo que eu já tenha visto antes. A anulação continua, por
que nem percebo minha própria existência.
Mas aí a realidade bate na porta. É preciso resgatar a
profissional, a administradora do lar e de relacionamentos, um pouco de alguém
que já fui. Faço isso, da melhor forma que posso, mas um tempo depois percebo
que foi ligado o tal piloto automático. Muito bom, mas ainda estava ali a
anulação de mim.
Agora, o furacão da vida me exige novamente – ou ainda - a
anulação.
Fiz uma escolha de ser gentil. Comigo e com minha filha.
Para tanto, é necessário: zero expectativas, zero desejos, zero vontades. Pois
como ficaria nervosa, como fiquei nas poucas experiências que tive, quando
espero poder lavar o cabelo e a criança não que sair do colo.
Como ficaria ansiosa se quisesse tirar o buço, e minha filha
não dormisse na hora. Como ficaria irritada se quisesse ir ao banheiro para o
número dois e ela não parasse de chorar.
Não, mais fácil anular para não perder as estribeiras. Para
viver uma vida calma, sem violências, violações ou abusos.
Só que essa escolha, que nem é tão racional assim, é uma via
de mão dupla, e pode até ser uma armadilha. Não é fácil se reencontrar, quanto mais
tempo passa fica ainda mais difícil. Por enquanto tem sido assim, cada dia mais
difícil.
Meu corpo, minha vida social, meus desejos como mulher,
minha qualidade profissional, minha autoestima, amizades, enfim. Parece estar
tudo desmoronando. Uso uma boa analogia, ainda não consegui melhor:
Sabe o alto mar? Ali tem um redemoinho bem grande, daqueles
bem certinhos que fazem a espiral pra baixo, sem fim? É ali que me encontro.
Não tem nada, absolutamente nada, que possa vir a me ajudar. Uma corda, uma
mão, navio, barquinho, mão de Deus, nada.
Só vou descendo, redemoinho abaixo, sem saída. E o mais
doido é que estou vendo tudo isso acontecer. Vejo os quilos aumentando na
balança, vejo as amigas se distanciando e precisando de mim, vejo o cabelo cada
dia mais ressecado, meu rosto com rugas e as unhas por fazer.
Acho bom. Acho um bom sinal esse da consciência. É importante
saber o problema em que nos encontramos, só assim podemos pensar numa saída. O
complicado é que, nesse caso, faz tempo que vejo e ainda não sei por onde.
Estou lá, no redemoinho sem fim, só descendo.
Não posso negar que há respiros, saídas temporárias que
causam a sensação de controle. Mas são apenas respiros.
Escrevo aqui essas palavras, que se unem nesse desabafo, pois
ultimamente me peguei contando isso para algumas pessoas, percebia a necessidade
de contar. Para desabafar, sim. Preciso. E também para que saibam. É preciso
falar sobre a anulação das mulheres após se tornarem mães!
Penso em algumas mulheres que conheci na minha vida. A
maioria, sogras. Que passaram a vida nesse redemoinho de anulação. Penso em
como, talvez (espero que não), seja fácil ficar por ali mesmo, se deixando
levar pela criação dos filhos, o dia a dia da vida, o cotidiano com a família,
se anulando. Se anulando até se perder completamente.
Essas mulheres que conheci são hoje um tanto controladoras, exigentes,
não tem amigos ou vida fora do círculo familiar. A gente fala muito de como é possível
uma mulher passar a vida cuidando da família e não conseguir cuidar de si e
construir uma vida independente. Mas, te juro, é doido entender como isso acontece
emocionalmente.
E viver isso é bem assustador. E impressionante. E forte.
Espero conseguir. Espero que todas nós consigamos. Não nos deixemos esquecer. Não nos deixemos escapar. Bora chegar lá embaixo, no fundo do mar, e catar um trem no chão que nos ajude a subir de volta. Ainda mais fortes. Como em todas as vezes, que cada mulher caiu, e levantou e conseguiu.